quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Ditaduras, relativismo moral e a necessidade de métodos brutais para se atingir o socialismo

Ditaduras, relativismo moral e a necessidade de métodos brutais para se atingir o socialismo


Veja abaixo as manchetes de quatro obituários publicados pelo The New York Times, o mais influente jornal da esquerda chique. A primeira manchete relata o obituário do ditador anticomunista Augusto Pinochet. As outras três são os obituários dos comunistas Mao, Stalin e Lênin, autênticos genocidas. Gentileza observar quantos são descritos como tendo 'governado pelo terror'.
11 de dezembro de 2006: Augusto Pinochet, Ditador que Governou pelo Terror o Chile, morre aos 91
10 de setembro de 1976: . . . Mao Tsé-tung Morre em Pequim aos 82; Líder da Reveolução Vermelha da China
Em todas essas manchetes encontramos condenação rematada e absoluta a apenas um ditador. Um que foi relativamente brando no que tange a ditaduras, mas que era anticomunista; sua principal característica foi seu governo pelo "Terror".
Em contraste, no caso dos genocidas comunistas, observa-se uma tolerância acrítica nas manchetes, em conjunto com uma zelosa recusa à menção dos terrores incalculavelmente maiores que eles causaram. Assim, Mao foi o "Líder da Revolução Vermelha da China"; Stálin supostamente transformou "a Rússia em um Poderoso Estado Socialista"; e o funeral de Lênin foi descrito como um fenômeno de entusiasmo beirando a adoração: "...CAIXÃO CARREGADO POR OITO QUILÔMETROS, Membros do Conselho de Comissários Cambaleiam sob o Peso do Caixão, Recusando-se a Utilizar Suportes..."
O caso chileno
A reação da imprensa mundial e dos intelectuais de esquerda quando da morte de Augusto Pinochet relembrou-me que, além da fábula de Papai Noel e suas renas, há uma outra fábula ainda vigorosamente presente no mundo atual. E, ao passo que a fábula de Papai Noel é inocente, servindo apenas para entreter crianças pequenas, essa outra definitivamente não tem nada de inocente; ela é puramente maliciosa. Trata-se da fábula de que aqueles que são responsáveis por tentar socializar o sistema econômico de um país, como os marxistas do governo chileno de Salvador Allende, são bem intencionados e, por isso, merecem estar imunes de todo e qualquer malefício corporal, além de certamente não merecerem jamais ser mortos.
De acordo com essa fábula, em um país como o Chile sob o governo Allende, garotos e garotas marxistas cantavam e dançavam alegremente, seus rostos resplandecentes de amor pelos oprimidos, enquanto se dedicavam à jubilosa tarefa de construir um sistema econômico socialista. É claro que, como em toda fábula, sempre existem forças negras que conspiram contra essa alegria: repetidamente, onde quer que esses inocentes e felizes marxistas tentam efetuar sua obra caritativa — na Rússia soviética, na China comunista, em Cuba e em todos os outros vários satélites — empobrecimento, miséria, escravidão e genocídios sempre teimam em ocorrer.
Porém, de acordo com a fábula, é claro que tais acontecimentos nada têm a ver com a natureza do socialismo e com as ações dos marxistas que tentam estabelecê-lo. O infortúnio simplesmente acontece. De maneira igualmente inexplicável — a menos que seja simplesmente por sua natureza puramente má —, homens malvados e sórdidos aparecem do nada e, sem nenhum motivo aparente, se opõem aos inocentes marxistas, espancam-nos e matam-nos, como fizeram os soldados de Pinochet no Chile em resposta à tentativa dos marxistas de socializar a economia daquele país. O horror! Que afronta contra bons e inocentes marxistas! Tal tipo de maldade certamente merece ser severamente punida!
Fim da fábula. Agora, a realidade.
O Chile na época do golpe militar estava imerso no caos econômico. O presidente Allende, apesar de ter sido eleito com apenas 36% dos votos válidos (a direita teve 34,9% e os social-democratas, 27,8%), estava agressivamente implementando um programa econômico puramente marxista, como até mesmo o amplamente hostil obituário do The New York Times admite: "um programa socialista de confisco e estatização de minas, bancos e indústrias estratégicas; divisão e repartição de grandes propriedades rurais em fazendas comunais; e controle absoluto de preços". Não surpreendentemente, tais medidas, como o próprio Times reconhece, "rapidamente resultaram em acentuados declínios na produção, escassez absoluta de bens de consumo e inflação explosiva."
Ademais, Allende centralizou e nacionalizou a educação e o sistema de saúde, distribuiu benefícios para seus aliados políticos e inflacionou alucinadamente a oferta monetária, o que levou ao colapso de toda a economia e ao endividamento maciço seguido do calote. A inflação de preços foi combatida com o típico e anacrônico recurso do congelamento, o que deixou lojas e supermercados com prateleiras vazias, além de gerar revolta em todos os proprietários e empreendedores do país.
Hoje sabe-se que havia até mesmo um projeto que parece ter saído direto de um livro de ficção científica, levando ao paroxismo tudo aquilo com que Marx sempre sonhou: uma economia centralmente planejada por um computador gigante.
Com tudo isso, resta a pergunta: é realmente crível que não houve violência nesse processo de confiscos? Nenhum sofrimento humano?
A questão essencial a ser julgada é que estava em andamento um maciço processo de confisco armado sendo conduzido pelo governo Allende. O regime possuía milícias armadas que eram utilizadas para saquear e confiscar a propriedade das pessoas, sendo que o critério para tal era exatamente aquele definido por Marx: qualquer um que se enquadrasse na descrição de 'burguês'. De acordo com o obituário do The Wall Street Journal, o regime estava agindo em claro desacato à Suprema Corte chilena, que o havia denunciado por seu "deliberado e obstinado desprezo por decisões judiciais", o que criou a ameaça de um "iminente colapso de toda a legalidade."

O direito de se defender
Enquanto os marxistas se limitam apenas a escrever, falar e fantasiar a destruição do capitalismo e o consequente estabelecimento do socialismo, eles têm todo o direito de serem deixados em paz e não sofrerem qualquer tipo de moléstia, assim como tem esse mesmo direito qualquer outra pessoa que não agride ninguém a não ser ela própria. Porém, quando os marxistas saem de suas fantasias e começam a colocá-las em prática no mundo real, cometendo confiscos e roubos à mão armada, então tal ato cancela seus direitos à não agressão, inclusive seu direito à vida.
O direito à vida, à liberdade e a não ter sua propriedade confiscada, o qual todos os homens possuem, carrega consigo o direito à autodefesa. O exercício do direito à autodefesa inclui a morte daqueles que representam uma ameaça iminente à vida de uma pessoa. Isso inclui matar aqueles que são uma ameaça iminente à vida de um indivíduo que está apenas tentando defender sua propriedade. Ladrões armados querendo confiscar propriedades sempre representam essa ameaça, sejam eles marxistas ou não.
Contrariamente ao que pensam vários intelectuais de esquerda, comunistas não têm o direito de matar dezenas de milhões de pessoas inocentes. Mais ainda: eles não têm o direito de reclamar quando suas almejadas vítimas reagem, impedem suas ações e, nesse processo, matam alguns comunistas.
Se os marxistas que apanharam e morreram no Chile quisessem de fato evitar tal destino, eles deveriam simplesmente ter ficado em casa escrevendo livros e artigos, ou fazendo palestras, ou organizando marchas e protestos pacíficos. Eles certamente não deveriam ter feito planos para saquear a propriedade de terceiros.
Quanto ao general Pinochet, ele ao menos merece ser lembrado como o homem que impediu que seu país se tornasse o segundo satélite soviético no Ocidente, após a Cuba de Fidel Castro. E, assim como Cuba e a União Soviética, uma ditadura totalitária com uma população empobrecida e faminta.
O general certamente não era nenhum anjo. Nenhum soldado pode ser. Ele foi repetidamente denunciado pela morte ou desaparecimento de mais de 3.000 cidadãos chilenos, além de acusado pela tortura de outros milhares. É bem provável que um número substancial de chilenos inocentes tenha morrido ou desaparecido ou sofrido tratamentos brutais como resultado das ações de Pinochet. Porém, em uma batalha para se evitar a imposição de uma ditadura comunista, é algo incontestável que a maioria daqueles que morreram ou sofreram torturas estavam preparados para infligir um número excepcionalmente maior de mortes e uma escala avassaladoramente maior de sofrimento aos seus conterrâneos.
A morte e o sofrimento desses propensos totalitários não deve ser lamentada, assim como não se deve lamentar as mortes de Lênin, Stálin, Hitler e seus respectivos auxiliares. Tivesse havido um general Pinochet na Rússia em 1918 ou na Alemanha em 1933, as pessoas daqueles países, assim como o resto do mundo, estariam incomparavelmente melhores, exatamente em virtude da morte, desaparecimento e concomitante sofrimento de um vasto número de comunistas e nazistas. A vida e a liberdade são positivamente auxiliadas pela morte e o desaparecimento desses seus inimigos mortais. A ausência destas pessoas significa a ausência de coisas como campos de concentração e genocídios, e isso obviamente é algo que deve ser ardentemente desejado.
Quanto a todas as pessoas inocentes que morreram no Chile, seu destino deveria ser imputado principalmente aos conspiradores comunistas que queriam impor sua ditadura totalitária. Como dito, as pessoas têm o absoluto direito de reagir e defender suas vidas, liberdade e propriedade contra um levante comunista. Nesse processo, não se pode esperar que elas façam as distinções presentes em um processo judicial. Elas precisam agir rapidamente e decisivamente para remover as ameaças. Essa é a natureza de uma guerra de reação. O cruel destino de inocentes, em sua grande maioria pessoas que não puderam ser distinguidas do inimigo, é responsabilidade dos comunistas. Caso eles não tivessem tentado impor sua ditadura totalitária, não haveria qualquer necessidade de uso de força e violência para impedi-los. Consequentemente, os inocentes não teriam sofrido.
Por fim, vale lembrar que o general Pinochet voluntariamente renunciou à sua ditadura. Ele fez isso após ter logrado dois êxitos: impedir uma tomada comunista e impor vastas reformas pró-livre mercado na então completamente combalida economia chilena. O efeito dessas reformas foi o transformar o Chile na mais próspera economia da América Latina. De acordo com as palavras do hostil obituário do The New York Times, o ditador utilizou seu poder para "determinar limites, por exemplo, nos debates sobre políticas econômicas, frequentemente alertando que não toleraria um retorno a medidas estatizantes". Isso o tornou o único ditador não estatista em todo o mundo.

Uma palavra sobre ditaduras
Assim como as guerras, ditaduras necessariamente são um malefício. Como as guerras, uma ditadura só pode ser justificada quando é absolutamente necessária para impedir um malefício excepcionalmente maior do que a própria ditadura e contra o qual não restam mais medidas de curto prazo. No caso chileno, o malefício excepcionalmente maior era a imposição de uma outra ditadura permanente, muito mais abrangente e severa: a ditadura comunista.
Não obstante o fato de que o general Pinochet utilizou seus poderes de ditador para implementar grandes reformas pró-livre mercado, a ditadura jamais deve ser vista como um meio justificável para a implantação de tais reformas, por mais necessárias e desejáveis que elas sejam. A ditadura é a mais perigosa das instituições políticas e facilmente produz resultados catastróficos. Isso porque um ditador não está restringido por nenhuma discussão ou debate público, o que facilmente o permite levar o país a desastres que poderiam ter sido evitados caso houvesse a liberdade de se criticar suas ações e de se fazer oposição a elas. E mesmo quando suas políticas parecem estar certas, o fato de que elas são impostas contrariamente à opinião pública apenas faz aumentar a impopularidade delas, dificultando ainda mais qualquer necessidade de mudança permanente.
Com base nessas considerações, quando perguntado o que faria caso fosse apontado ditador, Ludwig von Mises respondeu: "Eu renunciaria".


A necessidade de métodos brutais para se atingir o socialismo
Por que o socialismo jamais pode ser aplicado consensualmente? Por que os comunistas chilenos tiveram de implantar seu sonhado modelo à força?
Comecemos considerando os meios empregados para se alcançar o socialismo. De imediato, observamos dois fenômenos que não são dissociados um do outro. Primeiro: onde quer que o socialismo tenha sido implantado, como nos países do bloco comunista e na Alemanha nazista, métodos violentos e sanguinários foram utilizados para impô-lo e mantê-lo. Segundo: nos países onde partidos socialistas chegaram ao poder, mas se abstiveram de violência e derramamento de sangue, como na Grã-Bretanha, em Israel ou na Suécia, eles não implementaram o socialismo de fato, mas conservaram a chamada economia mista, a qual eles não alteraram radicalmente nem fundamentalmente. Consideremos as razões para esses fatos.
Mesmo que um governo genuinamente socialista fosse eleito democraticamente, seu primeiro ato de governo ao implantar o socialismo teria de ser um ato de enorme violência, qual seja, a expropriação a força dos meios de produção. A eleição democrática de um governo socialista não alteraria o fato de que o confisco de propriedade contra a vontade dos proprietários é um ato de força. Uma expropriação à força da propriedade baseada no voto democrático é tão pacífica quanto um linchamento também baseado no voto. Trata-se de uma violação primordial dos direitos individuais. A única maneira de o socialismo realmente ser implantado por meios pacíficos seria com os donos de propriedade voluntariamente doando sua propriedade ao estado socialista. Porém, pense nisso. Se o socialismo tivesse de esperar que os donos de propriedade doassem voluntariamente sua propriedade para o estado, este certamente teria de esperar para sempre. Logo, se o socialismo tem de ser implementado, então ele só pode existir por meio da força — e força aplicada em escala maciça, contra toda a propriedade privada.
Ademais, no caso da socialização de todo o sistema econômico, em contraposição à socialização de uma indústria isolada, é impossível criar alguma forma de compensação para os donos das propriedades confiscadas. No caso de uma estatização isolada, o governo pode compensar os proprietários destituídos simplesmente tributando o restante dos donos de propriedade. Mas se o governo confisca todas as propriedades, e simplesmente abole a propriedade privada, então não há nenhuma possibilidade de compensação justa. O governo simplesmente rouba a propriedade de todos, por completo. Nessas circunstâncias, os donos de propriedade irão quase que certamente resistir e tentar defender seus direitos — pela força, se necessário —, e estariam totalmente corretos em agir assim.
Isso explica por que apenas os comunistas conseguem implantar o socialismo, e por que os social-democratas sempre fracassam em suas tentativas. Os comunistas, com efeito, sabem que têm de ir a campo e roubar toda a propriedade dos homens. E sabem também que, se quiserem ser bem sucedidos nessa empreitada, é melhor irem armados e preparados para matar os donos de propriedade, os quais certamente tentarão defender seus direitos (daí a importância de se desarmar a população para se implantar um estado totalitário). Os social-democratas, por outro lado, são hesitantes e acabem sendo contidos pelo medo de tomar essas medidas necessárias para se chegar ao socialismo.
Em suma, os fatos essenciais são esses. O socialismo necessariamente deve começar com um enorme ato de confisco. Aqueles que querem seriamente roubar devem estar preparados para matar aqueles a quem eles planejam roubar. Assim sendo, os social-democratas são meros vigaristas e batedores de carteira, que se ocupam em proferir palavras vazias sobre o dia em que finalmente implantarão o socialismo, mas que saem em desabalada carreira ante o primeiro sinal de resistência oferecido por suas almejadas vítimas. Os comunistas, por outro lado, levam muito a sério a implantação do socialismo. Eles são assaltantes armados preparados para matar. É por isso que os comunistas conseguem implantar o socialismo. Dentre esses dois, apenas os comunistas estão dispostos a empregar os meios sanguinolentos necessários para implantar o socialismo.

Sendo assim, torna-se claro por que todos os livros, palestras e protestos pacíficos do mundo são incapazes de algum dia implantarem o socialismo: eles jamais irão persuadir o número necessário de pessoas a doarem voluntariamente sua propriedade ao estado socialista. Portanto, todas essas medidas "intelectuais" serão necessariamente fúteis, pelo menos até o ponto em que tudo descambe em ação violenta.
A implicação de tudo isso é que, a menos que os marxistas possam se tornar satisfeitos com a atual situação, assim como os social-democratas aparentemente aprenderam a ser — com medidas econômicas apenas parciais rumo ao seu objetivo, tais como a criação e a expansão do estado assistencialista, regulador e vorazmente tributador —, eles estarão fadados à frustração permanente. Ao mesmo tempo, aqueles dentre eles que continuarem comprometidos com a realização do seu objetivo — isto é, o real socialismo — certamente não irão tolerar tal frustração permanentemente. Pela lógica, é de se supor que, em algum momento, quase que inevitavelmente, eles irão descambar para a ação violenta, pois essa é a única maneira na qual eles podem de fato realizar seu objetivo.
Tais marxistas, como os socialistas — os sérios e dedicados —, não são de modo algum santos ou mártires incriticáveis, mas sim pessoas perigosas e com uma mentalidade criminosa.

George Reisman Ph.D. é o autor de Capitalism: A Treatise on Economics. (Uma réplica em PDF do livro completo pode ser baixada para o disco rígido do leitor se ele simplesmente clicar no título do livro e salvar o arquivo). Ele é professor emérito da economia da Pepperdine University

Capitalismo

Capitalismo


Certas expressões usadas pelo povo são, muitas vezes, inteiramente equivocadas. Assim, atribuem-se a capitães de indústria e a grandes empresários de nossos dias epítetos como "o rei do chocolate", "o rei do algodão" ou "o rei do automóvel". Ao usar essas expressões, o povo demonstra não ver praticamente nenhuma diferença entre os industriais de hoje e os reis, duques ou lordes de outrora. Mas, na realidade, a diferença é enorme, pois um rei do chocolate absolutamente não rege, ele serve. Não reina sobre um território conquistado, independente do mercado, independente de seus compradores. O rei do chocolate — ou do aço, ou do automóvel, ou qualquer outro rei da indústria contemporânea — depende da indústria que administra e dos clientes a quem presta serviços. Esse "rei" precisa se conservar nas boas graças dos seus súditos, os consumidores: perderá seu "reino" assim que já não tiver condições de prestar aos seus clientes um serviço melhor e de mais baixo custo que o oferecido por seus concorrentes.
Duzentos anos atrás, antes do advento do capitalismo, o status social de um homem permanecia inalterado do princípio ao fim de sua existência: era herdado dos seus ancestrais e nunca mudava. Se nascesse pobre, pobre seria para sempre; se rico — lorde ou duque —, manteria seu ducado, e a propriedade que o acompanhava, pelo resto dos seus dias.
No tocante à manufatura, as primitivas indústrias de beneficiamento da época existiam quase exclusivamente em proveito dos ricos. A grande maioria do povo (90% ou mais da população europeia) trabalhava na terra e não tinha contato com as indústrias de beneficiamento, voltadas para a cidade. Esse rígido sistema da sociedade feudal imperou, por muitos séculos, nas mais desenvolvidas regiões da Europa.
Contudo, a população rural se expandiu e passou a haver um excesso de gente no campo. Os membros dessa população excedente, sem terras herdadas ou bens, careciam de ocupação. Também não lhes era possível trabalhar nas indústrias de beneficiamento, cujo acesso lhes era vedado pelos reis das cidades. O número desses "párias" crescia incessantemente, sem que todavia ninguém soubesse o que fazer com eles. Eram, no pleno sentido da palavra, "proletários", e ao governo só restava interná-los em asilos ou casas de correção. Em algumas regiões da Europa, sobretudo nos Países Baixos e na Inglaterra, essa população tornou-se tão numerosa que, no século XVIII, constituía uma verdadeira ameaça à preservação do sistema social vigente.
Hoje, ao discutir questões análogas em lugares como a Índia ou outros países em desenvolvimento, não devemos esquecer que, na Inglaterra do século XVIII, as condições eram muito piores. Naquele tempo, a Inglaterra tinha uma população de seis ou sete milhões de habitantes, dos quais mais de um milhão — provavelmente dois — não passavam de indigentes a quem o sistema social em vigor nada proporcionava. As medidas a tomar com relação a esses deserdados constituíam um dos maiores problemas da Inglaterra.
Outro sério problema era a falta de matérias-primas. Os ingleses eram obrigados a enfrentar a seguinte questão: que faremos, no futuro, quando nossas florestas já não nos derem a madeira de que necessitamos para nossas indústrias e para aquecer nossas casas? Para as classes governantes, era uma situação desesperadora. Os estadistas não sabiam o que fazer e as autoridades em geral não tinham qualquer ideia sobre como melhorar as condições.
Foi dessa grave situação social que emergiram os começos do capitalismo moderno. Dentre aqueles párias, aqueles miseráveis, surgiram pessoas que tentaram organizar grupos para estabelecer pequenos negócios, capazes de produzir alguma coisa. Foi uma inovação. Esses inovadores não produziam artigos caros, acessíveis apenas às classes mais altas: produziam bens mais baratos, que pudessem satisfazer as necessidades de todos. E foi essa a origem do capitalismo tal como hoje funciona. Foi o começo da produção em massa — princípio básico da indústria capitalista. Enquanto as antigas indústrias de beneficiamento funcionavam a serviço da gente abastada das cidades, existindo quase que exclusivamente para corresponder às demandas dessas classes privilegiadas, as novas indústrias capitalistas começaram a produzir artigos acessíveis a toda a população. Era a produção em massa, para satisfazer às necessidades das massas.
Este é o principio fundamental do capitalismo tal como existe hoje em todos os países onde há um sistema de produção em massa extremamente desenvolvido: as empresas de grande porte, alvo dos mais fanáticos ataques desfechados pelos pretensos esquerdistas, produzem quase exclusivamente para suprir a carência das massas. As empresas dedicadas à fabricação de artigos de luxo, para uso apenas dos abastados, jamais têm condições de alcançar a magnitude das grandes empresas. E, hoje, os empregados das grandes fábricas são, eles próprios, os maiores consumidores dos produtos que nelas se fabricam. Esta é a diferença básica entre os princípios capitalistas de produção e os princípios feudalistas de épocas anteriores.
Quando se pressupõe ou se afirma a existência de uma diferença entre os produtores e os consumidores dos produtos da grande empresa, incorre-se em grave erro. Nas grandes lojas dos Estados Unidos, ouvimos o slogan: "O cliente tem sempre razão." E esse cliente é o mesmo homem que produz, na fábrica, os artigos à venda naqueles estabelecimentos. Os que pensam que a grande empresa detém um enorme poder também se equivocam, uma vez que a empresa de grande porte é inteiramente dependente da preferência dos que lhes compram os produtos; a mais poderosa empresa perderia seu poder e sua influência se perdesse seus clientes.
Há cinquenta ou sessenta anos, era voz corrente em quase todos os países capitalistas que as companhias de estradas de ferro eram por demais grandes e poderosas: sendo monopolistas, tornavam impossível a concorrência. Alegava-se que, na área dos transportes, o capitalismo já havia atingido um estágio no qual se destruira a si mesmo, pois que eliminara a concorrência. O que se descurava era o fato de que o poder das ferrovias dependia de sua capacidade de oferecer à população um meio de transporte melhor que qualquer outro. Evidentemente teria sido absurdo concorrer com uma dessas grandes estradas de ferro, através da implantação de uma nova ferrovia paralela à anterior, porquanto a primeira era suficiente para atender às necessidades do momento. Mas outros concorrentes não tardaram a aparecer. A livre concorrência não significa que se possa prosperar pela simples imitação ou cópia exata do que já foi feito por alguém. A liberdade de imprensa não significa o direito de copiar o que outra pessoa escreveu, e assim alcançar o sucesso a que o verdadeiro autor fez jus por suas obras. Significa o direito de escrever outra coisa. A liberdade de concorrência no tocante às ferrovias, por exemplo, significa liberdade para inventar alguma coisa, para fazer alguma coisa que desafie as ferrovias já existentes e as coloque em situação muito precária de competitividade.
Nos Estados Unidos, a concorrência que se estabeleceu através dos ônibus, automóveis, caminhões e aviões impôs às estradas de ferro grandes perdas e uma derrota quase absoluta no que diz respeito ao transporte de passageiros.
O desenvolvimento do capitalismo consiste em que cada homem tem o direito de servir melhor e/ou mais barato o seu cliente. E, num tempo relativamente curto, esse método, esse princípio, transformou a face do mundo, possibilitando um crescimento sem precedentes da população mundial.
Na Inglaterra do século XVIII, o território só podia dar sustento a seis milhões de pessoas, num baixíssimo padrão de vida. Hoje, mais de cinquenta milhões de pessoas aí desfrutam de um padrão de vida que chega a ser superior ao que desfrutavam os ricos no século XVIII. E o padrão de vida na Inglaterra de hoje seria provavelmente mais alto ainda, não tivessem os ingleses dissipado boa parte de sua energia no que, sob diversos pontos de vista, não foram mais que "aventuras" políticas e militares evitáveis.
Estes são os fatos acerca do capitalismo. Assim, se um inglês — ou, no tocante a esta questão, qualquer homem de qualquer país do mundo — afirmar hoje aos amigos ser contrário ao capitalismo, há uma esplêndida contestação a lhe fazer: "Sabe que a população deste planeta é hoje dez vezes maior que nos períodos precedentes ao capitalismo? Sabe que todos os homens usufruem hoje um padrão de vida mais elevado que o de seus ancestrais antes do advento do capitalismo? E como você pode ter certeza de que, se não fosse o capitalismo, você estaria integrando a décima parte da população sobrevivente? Sua mera existência é uma prova do êxito do capitalismo, seja qual for o valor que você atribua à própria vida."
Não obstante todos os seus benefícios, o capitalismo foi furiosamente atacado e criticado. É preciso compreender a origem dessa aversão. É fato que o ódio ao capitalismo nasceu não entre o povo, não entre os próprios trabalhadores, mas em meio à aristocracia fundiária — a pequena nobreza da Inglaterra e da Europa continental. Culpavam o capitalismo por algo que não lhes era muito agradável: no início do século XIX, os salários mais altos pagos pelas indústrias aos seus trabalhadores forçaram a aristocracia agrária a pagar salários igualmente altos aos seus trabalhadores agrícolasA aristocracia atacava a indústria criticando o padrão de vida das massas trabalhadoras.
Obviamente, do nosso ponto de vista, o padrão de vida dos trabalhadores era extremamente baixo. Mas, se as condições de vida nos primórdios do capitalismo eram absolutamente escandalosas, não era porque as recém-criadas indústrias capitalistas estivessem prejudicando os trabalhadores: as pessoas contratadas pelas fábricas já subsistiam antes em condições praticamente subumanas.
A velha história, repetida centenas de vezes, de que as fábricas empregavam mulheres e crianças que, antes de trabalharem nessas fábricas, viviam em condições satisfatórias, é um dos maiores embustes da história. As mães que trabalhavam nas fábricas não tinham o que cozinhar: não abandonavam seus lares e suas cozinhas para se dirigir às fábricas — corriam a elas porque não tinham cozinhas e, ainda que as tivessem, não tinham comida para nelas cozinharem. E as crianças não provinham de um ambiente confortável: estavam famintas, estavam morrendo. E todo o tão falado e indescritível horror do capitalismo primitivo pode ser refutado por uma única estatística: precisamente nesses anos de expansão do capitalismo na Inglaterra, no chamado período da Revolução Industrial inglesa, entre 1760 e 1830, a população do país dobrou, o que significa que centenas de milhares de crianças — que em outros tempos teriam morrido — sobreviveram e cresceram, tornando-se homens e mulheres.
Não há dúvida de que as condições gerais de vida em épocas anteriores eram muito insatisfatórias. Foi o comércio capitalista que as melhorou. Foram justamente aquelas primeiras fábricas que passaram a suprir, direta ou indiretamente, as necessidades de seus trabalhadores, através da exportação de manufaturados e da importação de alimentos e matérias-primas de outros países. Mais uma vez, os primeiros historiadores do capitalismo falsearam - é difícil usar uma palavra mais branda — a história.
Há uma anedota — provavelmente inventada — que se costuma contar a respeito de Benjamin Franklin: em visita a um cotonifício na Inglaterra, Benjamin Franklin ouviu do proprietário cheio de orgulho: "Veja, temos aqui tecidos de algodão para a Hungria." Olhando à sua volta e constatando que os trabalhadores estavam em andrajos, Franklin perguntou: "E por que não produz também para os seus empregados?"
Mas as exportações de que falava o dono do cotonifício realmente significavam que ele de fato produzia para os próprios empregados, visto que a Inglaterra tinha de importar toda a sua matéria-prima. Não possuía nenhum algodão, como também ocorria com a Europa continental. A Inglaterra atravessava uma fase de escassez de alimentos: era necessária sua importação da Polônia, da Rússia, da Hungria. Assim, as exportações — como as de tecidos — se constituíam no pagamento de importações de alimentos necessários à sobrevivência da população inglesa. Muitos exemplos da história dessa época revelarão a atitude da pequena nobreza e da aristocracia com relação aos trabalhadores. Quero citar apenas dois. Um é o famoso sistema inglês do seed and landPor tal sistema, o governo inglês pagava a todos os trabalhadores que não chegavam a receber um salário mínimo (oficialmente fixado) a diferença entre o que recebiam e esse mínimo. Isso poupava à aristocracia fundiária o dissabor de pagar salários mais altos. A pequena nobreza continuaria pagando o tradicionalmente baixo salário agrícola, suplementado pelo governo. Evitava-se, assim, que os trabalhadores abandonassem as atividades rurais em busca de emprego nas fábricas urbanas.
Oitenta anos depois, após a expansão do capitalismo da Inglaterra para a Europa continental, mais uma vez verificou-se a reação da aristocracia rural contra o novo sistema de produção. Na Alemanha, os aristocratas prussianos — tendo perdido muitos trabalhadores para as indústrias capitalistas, que ofereciam melhor remuneração — cunharam uma expressão especial para designar o problema: "fuga do campo" — LandfluchtDiscutiu-se, então, no parlamento alemão, que tipo de medida se poderia tomar contra aquele mal -- e tratava-se indiscutivelmente de um mal, do ponto de vista da aristocracia rural. O príncipe Bismarck, o famoso chanceler do Reich alemão, disse um dia num discurso: "Encontrei em Berlim um homem que havia trabalhado em minhas terras. Perguntei-lhe: 'Por que deixou minhas terras? Por que deixou o campo? Por que vive agora em Berlim?'"
E, segundo Bismarck, o homem respondeu: "Na aldeia não se tem, como aqui em Berlim, um Biergarten tão lindo, onde nos podemos sentar; tomar cerveja e ouvir música." Esta é, sem dúvida, uma estória contada do ponto de vista do príncipe Bismarck, o empregador. Não seria o ponto de vista de todos os seus empregados. Estes acorriam à indústria porque ela lhes pagava salários mais altos e elevava seu padrão de vida a níveis sem precedentes.
Hoje, nos países capitalistas, há relativamente pouca diferença entre a vida básica das chamadas classes mais altas e a das mais baixas: ambas têm alimento, roupas e abrigo. Mas no século XVIII, e nos que o precederam, o que distinguia o homem da classe média do da classe baixa era o fato de o primeiro ter sapatos, e o segundo, não. Hoje, nos Estados Unidos, a diferença entre um rico e um pobre reduz-se muitas vezes à diferença entre um Cadillac e um Chevrolet. O Chevrolet pode ser de segunda mão, mas presta a seu dono basicamente os mesmos serviços que o Cadillac poderia prestar, uma vez que também está apto a se deslocar de um local a outro. Mais de 50% da população dos Estados Unidos vivem em casas e apartamentos próprios.
As investidas contra o capitalismo — especialmente no que se refere aos padrões salariais mais altos — tiveram por origem a falsa suposição de que os salários são, em última análise, pagos por pessoas diferentes daquelas que trabalham nas fábricas. Certamente, nada impede que economistas e estudantes de teorias econômicas tracem uma distinção entre trabalhador e consumidor. Mas o fato é que todo consumidor tem de ganhar, de uma maneira ou de outra, o dinheiro que gasta, e a imensa maioria dos consumidores é constituída precisamente por aquelas mesmas pessoas que trabalham como empregados nas empresas produtoras dos bens que consomem.
No capitalismo, os padrões salariais não são estipulados por pessoas diferentes das que ganham os salários: são essas mesmas pessoas que os manipulam. Não é a companhia cinematográfica de Hollywood que paga os salários de um astro das telas, quem os paga é o público que compra ingresso nas bilheterias dos cinemas. E não é o empresário de uma luta de boxe que cobre as enormes exigências de lutadores laureados, mas sim a plateia, que compra entradas para a luta. A partir da distinção entre empregado e empregador, traça-se, no plano da teoria econômica, uma distinção que não existe na vida real. Nesta, empregador e empregado são, em última análise, uma só e a mesma pessoa.
Em muitos países há quem considere injusto que um homem obrigado a sustentar uma família numerosa receba o mesmo salário que outro, responsável apenas pela própria manutenção. No entanto, o problema é não questionar se é ao empresário ou não que cabe assumir a responsabilidade pelo tamanho da família de um trabalhador.
A pergunta que deve ser feita neste caso é: você, como indivíduo, se disporia a pagar mais por alguma coisa, digamos, um pão, se for informado de que o homem que o fabricou tem seis filhos? Uma pessoa honesta por certo responderia negativamente, dizendo: "Em principio, sim. Mas na prática tenderia a comprar o pão feito por um homem sem filho nenhum." O fato é que o empregador a quem os compradores não pagam o suficiente para que ele possa pagar seus empregados se vê na impossibilidade de levar adiante seus negócios.
O "capitalismo" foi assim batizado não por um simpatizante do sistema, mas por alguém que o tinha na conta do pior de todos os sistemas históricos, da mais grave calamidade que jamais se abatera sobre a humanidade. Esse homem foi Karl Marx. Não há razão, contudo, para rejeitar a designação proposta por Marx, uma vez que ela indica claramente a origem dos grandes progressos sociais ocasionados pelo capitalismo. Esses progressos são fruto da acumulação do capital; baseiam-se no fato de que as pessoas, por via de regra, não consomem tudo o que produzem e no fato de que elas poupam — e investem — parte desse montante.
Reina um grande equívoco em torno desse problema. Ao longo destas seis palestras, terei oportunidade de abordar os principais mal-entendidos em voga, relacionados com a acumulação do capital, com o uso do capital e com os benefícios universais auferidos a partir desse uso. Tratarei do capitalismo particularmente em minhas palestras dedicadas ao investimento externo e a esse problema extremamente crítico da política atual que é a inflação. Todos sabem, é claro, que a inflação não existe só neste país. Constitui hoje um problema em todas as partes do mundo. O que muitas vezes não se compreende a respeito do capitalismo é o seguinte: poupança significa benefícios para todos os que desejam produzir ou receber salários.
Quando alguém acumula certa quantidade de dinheiro — mil dólares, digamos — e confia esses dólares, em vez de gastá-los, a uma empresa de poupança ou a uma companhia de seguros, transfere esse dinheiro para um empresário, um homem de negócios, o que vai permitir que esse empresário possa expandir suas atividades e investir num projeto, que na véspera ainda era inviável, por falta do capital necessário. Que fará então o empresário com o capital recém-obtido? Certamente a primeira coisa que fará, o primeiro uso que dará a esse capital suplementar será a contratação de trabalhadores e a compra de matérias-primas — o que promoverá, por sua vez, o surgimento de uma demanda adicional de trabalhadores e matérias-primas, bem como uma tendência à elevação dos salários e dos preços dessas matérias-primas. Muito antes que o poupador ou o empresário tenham obtido algum lucro em tudo isso, o trabalhador desempregado, o produtor de matérias-primas, o agricultor e o assalariado já estarão participando dos benefícios das poupanças adicionais.
O que o empresário virá ou não a ganhar com o projeto depende das condições futuras do mercado e de seu talento para prevê-las corretamente. Mas os trabalhadores, assim como os produtores de matéria-prima, auferem as vantagens de imediato. Muito se falou, trinta ou quarenta anos atrás, sobre a "política salarial" — como a denominavam — de Henry Ford. Uma das maiores façanhas do senhor Ford consistia em pagar salários mais altos que os oferecidos pelas demais industrias ou fábricas. Sua política salarial foi descrita como uma "invenção". Não se pode, no entanto, dizer que essa nova política "inventada" seja simplesmente um fruto da liberalidade do senhor Ford. Um novo ramo industrial — ou uma nova fábrica num ramo já existente — precisa atrair trabalhadores de outros empregos, de outras regiões do país e até de outros países. E não há outra maneira de fazê-lo senão através do pagamento de salários mais altos aos trabalhadores. Foi o que ocorreu nos primórdios do capitalismo, e é o que ocorre até hoje.
Na Grã-Bretanha, quando os fabricantes começaram a produzir artigos de algodão, eles passaram a pagar aos seus trabalhadores mais do que estes ganhavam antes. Ê verdade que grande porcentagem desses novos trabalhadores jamais ganhara coisa alguma antes. Estavam, então, dispostos a aceitar qualquer quantia que lhes fosse oferecida. Mas, pouco tempo depois, com a crescente acumulação do capital e a implantação de um número cada vez maior de novas empresas, os salários se elevaram, e como consequência houve aquele aumento sem precedentes da população inglesa, ao qual já me referi. A reiterada caracterização depreciativa do capitalismo como um sistema destinado a tornar os ricos mais ricos e os pobres mais pobres é equivocada do começo ao fim. A tese de Marx concernente ao advento do capitalismo baseou-se no pressuposto de que os trabalhadores estavam ficando mais pobres, de que o povo estava ficando mais miserável, o que finalmente redundaria na concentração de toda a riqueza de um país em umas poucas mãos, ou mesmo nas de um homem só. Como consequência, as massas trabalhadoras empobrecidas se rebelariam e expropriariam os bens dos opulentos proprietários.
Segundo essa doutrina de Marx, é impossível, no sistema capitalista, qualquer oportunidade, qualquer possibilidade de melhoria das condições dos trabalhadores. Em 1865, falando perante a Associação Internacional dos Trabalhadores, na Inglaterra, Marx afirmou que a crença de que os sindicatos poderiam promover melhores condições para a população trabalhadora era "absolutamente errônea". Qualificou a política sindical voltada para a reivindicação de melhores salários e menor número de horas de trabalho de conservadora -- era este, evidentemente, o termo mais desabonador a que Marx podia recorrer. Sugeriu que os sindicatos adotassem uma nova meta revolucionária: a "completa abolição do sistema de salários", e a substituição do sistema de propriedade privada pelo "socialismo" — a posse dos meios de produção pelo governo.
Se consideramos a história do mundo — e em especial a história da Inglaterra a partir de 1865 — verificaremos que Marx estava errado sob todos os aspectos. Não há um só país capitalista em que as condições do povo não tenham melhorado de maneira inédita. Todos esses progressos ocorridos nos últimos oitenta ou noventa anos produziram-se a despeito dos prognósticos de Karl Marx: os socialistas de orientação marxista acreditavam que as condições dos trabalhadores jamais poderiam melhorar. Adotavam uma falsa teoria, a famosa "lei de ferro dos salários". Segundo esta lei, no capitalismo, os salários de um trabalhador não excederiam a soma que lhe fosse estritamente necessária para manter-se vivo a serviço da empresa.
Os marxistas enunciaram sua teoria da seguinte forma: se os padrões salariais dos trabalhadores sobem, com a elevação dos salários, a um nível superior ao necessário para a subsistência, eles terão mais filhos. Esses filhos, ao ingressarem na força de trabalho, engrossarão o número de trabalhadores até o ponto em que os padrões salariais cairão, rebaixando novamente os salários dos trabalhadores a um nível mínimo necessário para a subsistência — àquele nível mínimo de sustento, apenas suficiente para impedir a extinção da população trabalhadora.
Mas essa ideia de Marx, e de muitos outros socialistas, envolve um conceito de trabalhador idêntico ao adotado — justificadamente — pelos biólogos que estudam a vida dos animais. Dos camundongos, por exemplo. Se colocarmos maior quantidade de alimento à disposição de organismos animais, ou de micróbios, maior número deles sobreviverá. Se a restringirmos, restringiremos o número dos sobreviventes. Mas com o homem é diferente. Mesmo o trabalhador — ainda que os marxistas não o admitam — tem carências humanas outras que as de alimento e de reprodução de sua espécie. Um aumento dos salários reais resulta não só num aumento da população; resulta também, e antes de tudo, numa melhoria do padrão de vida média. É por isso que temos hoje, na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, um padrão de vida superior ao das nações em desenvolvimento, às da África, por exemplo. Devemos compreender, contudo, que esse padrão de vida mais elevado fundamenta-se na disponibilidade de capital. Isso explica a diferença entre as condições reinantes nos Estados Unidos e as que encontramos na Índia. Neste país foram introduzidos — ao menos em certa medida — modernos métodos de combate a doenças contagiosas, cujo efeito foi um aumento inaudito da população. No entanto, como esse crescimento populacional não foi acompanhado de um aumento correspondente do montante de capital investido no país, o resultado foi um agravamento da miséria. Quanto mais se eleva o capital investido por indivíduo, mais próspero se torna o país.
Mas é preciso lembrar que nas políticas econômicas não ocorrem milagres. Todos leram artigos de jornal e discursos sobre o chamado milagre econômico alemão — a recuperação da Alemanha depois de sua derrota e destruição na Segunda Guerra Mundial. Mas não houve milagre. Houve tão somente a aplicação dos princípios da economia do livre mercadodos métodos do capitalismo, embora essa aplicação não tenha sido completa em todos os pontos. Todo país pode experimentar o mesmo "milagre" de recuperação econômica, embora eu deva insistir em que esta não é fruto de milagre: é fruto da adoção de políticas econômicas sólidas, pois que é delas que resulta.
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Esse texto é o primeiro capítulo do livro As Seis Lições, e foi traduzido por Maria Luiza Borges.

Ludwig von Mises foi o reconhecido líder da Escola Austríaca de pensamento econômico, um prodigioso originador na teoria econômica e um autor prolífico. Os escritos e palestras de Mises abarcavam teoria econômica, história, epistemologia, governo e filosofia política. Suas contribuições à teoria econômica incluem elucidações importantes sobre a teoria quantitativa de moeda, a teoria dos ciclos econômicos, a integração da teoria monetária à teoria econômica geral, e uma demonstração de que o socialismo necessariamente é insustentável, pois é incapaz de resolver o problema do cálculo econômico. Mises foi o primeiro estudioso a reconhecer que a economia faz parte de uma ciência maior dentro da ação humana, uma ciência que Mises chamou de "praxeologia".

Olavo de Carvalho - A politica do crime do PT.


Olavo de Carvalho - A politica do crime do PT.

O filósofo e professor Olavo de Carvalho não necessita de apresentação pois a sua capacidade intelectual já é por demais conhecida na mídia e nos mais diversos círculos! Trata-se de um excepcional conhecedor da realidade política brasileira e mundial que pode-nos ajudar a entender o que aconteceu e acontece hoje no mundo e, em especial, no Brasil e países latino-americanos!

A Falácia Sindical Lulista

A Falácia Sindical Lulista.

Tenho a satisfação de remeter em arquivo, meu mais recente artigo, sob o título “A falácia sindical lulista”, que está sendo publicada em centenas de mídias (inclusive sob o título dado pelo "Consultor Jurídico" "Sindicalismo chafurdou ainda mais no movediço plano de incredulidade" (confira no “Google” a relação nominativa das que até o momento efetuaram essa publicação, com uma ou outra denominação). Dentre outros, ele foi publicado no blog do Mário Fortes, “A Direita Brasileira em Ação” e de outros do mesmo perfil do seu, e que serviu de referência indicativa para chegar à sua presença. 

É importante salientar que o trabalho em questão, PROVA o engodo petista na área sindical ao longo do mandato do ex-presidente, episódio estranhamente sequer comentado ou divulgado pela grande mídia e que, necessariamente precisa chegar ao conhecimento da sociedade. Como se depreende do cenário sindical, ao longo das duas gestões governamentais daquele que fez questão de se personificar como "o nunca antes...", ostentando o título de reformista radical, absolutamente nada foi feito em benefício dos contribuintes dos sindicatos, mas sim em proveito dos sindicalistas, conhecidos pelegos e teleguiados do feudo sindical, patrimônio do PT e do conhecido chefe dessa capitania hereditária...

Em termos de espaço, o texto é reconhecidamente longo em relação aos artigos usuais, mas necessário para a compreensão do episódio, especialmente por aqueles que não conhecem a vida sindical brasileira. Leia igualmente meus artigos anteriores, todos eles numa abordagem intrépida e sem meias palavras do sindicalismo brasileiro, cada vez mais relegado à devassidão ética e moral. E o que pior, sem que suas lideranças políticas, especialmente as ligadas ao patronato, continuem inertes ante essa degradação.

Agradeço, pois, a gentileza de sua atenção e de sua imprescindível divulgação.

Cordialmente.
Fernando Alves de Oliveira
Consultor Sindical Patronal
Telefones (13) 3317-5040 e (11) 8105-2750
E-mail: falvesoli40@terra.com.br

A FALÁCIA SINDICAL LULISTA

Ao cabo de oito anos, afinal, qual o saldo favorável do Governo do ex-operário e líder sindical, exatamente na esfera que serviu de catapulta à sua vida política, alçando-o à presidência do País pela vontade popular?
Lamentavelmente, após dois mandatos, a resposta isenta é única. Favorável, nenhum. Pernicioso, muito.  O sindicalismo chafurdou ainda mais no movediço plano da incredulidade, que de há muito se acha relegado. E só não foi –e nem continua sendo- dimensionado em sua real intensidade perante a opinião pública porque os holofotes midiáticos persistem em não focar o tema sindical, produto da Era 40, originário do ditador Vargas e de um Brasil colonial inteiramente inverso ao gigantismo da atualidade e da modernidade das relações do Trabalho.
Ao invés de assear e revigorar seu empobrecido e desmoralizado estado de indigência, quer no campo institucional, como –e de forma primordial- nos âmbitos moral e ético, suas ações foram profundamente nefastas ao sistema, de vez que o presidente Lula preferiu trafegar pela contramão, contemplando não a sociedade para a qual deveria governar, mas  à facção composta por seus ex-colegas. Exemplo maior disto foi o episódio da oficialização das centrais sindicais fora do contexto de uma outrora anunciada ampla e completa reforma sindical, que, além de não se confirmar, culminou na cessão de generoso aporte de novos recursos do Estado.
Com efeito, perderam a coletividade sindical representada pelos contribuintes das entidades sindicais –que são os reais financiadores e beneficiários do sistema- e a sociedade como um todo. Ganharam os interessados na preservação do status quo, os privilegiados agentes operativos do mercado sindical do setor laboral, seus ex-colegas, justamente a quem cabe o dever de servirem e não o de serem servidos. Mais uma consumação de deslavada e vergonhosa inversão de valores.
Embora a prova maior disso seja recorrente para a vanguarda sindical, de vez que assunto foi objeto de profundos comentários anteriores, abordado em profundidade que foi em meu último livro e, à época de seu acontecimento, no artigo específico "O (provado) retrocesso sindical no Governo Lula", continuo sendo um dos poucos, senão o único, a ter a coragem de denunciar o engodo, de vez que a grande mídia calou-se ante a desfaçatez desse logro, materializado entre as edições das PECs-252/2000 e 369/2005. A primeira, de maio/2000, dois anos e meio, antes do PT ascender o Poder. A segunda, de 2005, já como Governo. Ambas escritas e subscritas pela mesma mão. A de Ricardo Berzoíni. A primeira, como deputado federal e a outra já como ministro do Trabalho do governo Lula
Aos que –ainda- não tomaram conhecimento disso, eis apenas um trecho (e só para ficar nele) das preciosidades escritas e subscritas pelo Governo que prometeu -entre várias outras modificações saneadoras da legislação sindical- extinguir a contribuição sindical obrigatória"(...) A unicidade e a contribuição compulsória são exemplos de uma estrutura que não mais condiz com a realidade da classe trabalhadora, hoje mais dinâmica e consciente. A Constituição de 1988, embora tenha trazido alguns avanços e proclamado alguns princípios para o movimento sindical, ainda manteve a forma corporativa de organização inaugurada na Era Vargas, que coloca o sindicato à sombra da ação estatal. Valendo-se dessa estrutura anacrônica, alguns sindicatos desprovidos de qualquer legitimidade, sobrevivem em razão das contribuições compulsórias e da visão protecionista do Estado. (...)".       
Destarte, o que ficou consagrado foi uma completa antítese do escrito e assinado.
Em contraposição, Lula foi rápido e direto ao mote que interessava. Oficializou e alimentou de forma generosa as centrais sindicais, até então entes espúrios na legislação sindical e que até então eram sustentadas pelas  próprias entidades sindicais. Para isto, não foi necessário implantar a prometida "reforma sindical para valer", conforme o petismo se comprometera quando na oposição e que o faria quando se tornasse Governo.
Mas não foi só a legalização que importava, mesmo que gritantemente fora do contexto originariamente concebido. O mais importante era formalizar a concessão de novos e fartos recursos do Tesouro. Ainda que ao arrepio da Constituição. Foi dessa forma que as centrais sindicais foram contempladas com a metade do valor que o ministério do Trabalho recebe do rateio de cada contribuição sindical paga pelo trabalhador. Assim, ao invés de 20%, o Ministério do Trabalho passou a ficar com 10%, repassando a metade. Óbvio e evidente que não demorará a conceder os restantes 10%. A gula dessa gente é conhecida. É absolutamente insaciável.  
Claro que a CUT, braço direito do PT, ficou com a maior parte do bolo desse rateio sindical. Como tal, cabe a indagação legítima e pertinente: o que são as centrais senão um contingente que dá respaldo político e eleitoral a quem paga por seus "serviços"? Quais as suas reais serventias em relação ao trabalhador, ao contribuinte do sindicato? Claro que o STF foi instado e até hoje julga a constitucionalidade desses repasses, só que com o conhecido vagar de nosso sistema Judiciário. É mais uma querela do Governo Lula que, como outras, competirá à corte do Supremo Tribunal Federal decidir.
Assim, se é discutível a tese da prevalência da contribuição obrigatória para o financiamento do modelo sindical brasileiro, está comprovado com letras garrafais que, ao longo destes setenta anos, esses recursos foram sendo desvirtuados, passando a ser a fonte de todos os vícios e mazelas de um sistema corrompido.
Atentem ao absurdo constitucional. A contribuição sindical tem características de tributo, pois está amparada pelo artigo 149 da CF como sendo de âmbito parafiscal. Contudo, não pode ser fiscalizada pelo Estado, pois a mesma Constituição Federal prescreve no inciso I do artigo 8º que o Estado não poderá imiscuir-se na vida sindical. Quando esse ardil constitucional será revisto? Essa revisão Interessa aos donatários do feudo? 
Em conseqüência, após novembro de 1988, a fiscalização da aplicação desses recursos ficou ao sabor das próprias entidades, através de seu órgão estatutário competente (Conselho Fiscal). Ou seja, sindicalista fiscalizando colega... Claro que isso só ocorre quando há disputa interna e na inexistência de conchavos e de "composições amigáveis" entre as partes...
É inegável que o ainda sustenta o financiamento do sindical laboral é o preceito de lei contido na legislação prevalecente e que obriga o empregador a descontar do empregado o valor correspondente e o repassar (sob pena de incidir em gravames) ao sindicato profissional correspondente. Numa única frase: a empresa é um agente gratuito e garantidor da cobrança e do repasse do valor da contribuição que sai do bolso do empregado.
No tocante ao sindicalismo patronal, em que fica ao livre arbítrio da empresa efetuar ou não o recolhimento à entidade sindical patronal representativa de sua categoria econômica, obviamente que a saúde financeira dessas entidades está fortemente debilitada pela crise de identidade existente. Só agora seus dirigentes estão acordando para a realidade que outrora os recalcitrantes sempre preferiram ignorar: a de que chegaria o tempo dos recursos minguarem. Somente agora e diante de uma crise financeira que ameaça engolfar de vez o sistema, fala-se abertamente na absoluta necessidade de adoção do associativismo, como fórmula redentora. Antes, mera opção. Hoje, inegável e absoluta necessidade! Forma alternativa de sobrevivência e desenvolvimento, sem a presença do Estado.
Portanto, é profundamente gratificante constatar que o setor de vanguarda do patronato envereda, finalmente, pelo rumo do associativismo como fórmula redentora. Ainda mais auspicioso é tomar conhecimento de trabalhos em profundidade das principais confederações patronais, especialmente o elaborado pela CNI, sob o título "O associativismo em foco", que embasa e reafirma tudo aquilo que tenho pregado ao longo de minha vida profissional como incansável cultor e praticante do associativismo e cujas teses podem ser comprovadas em meus livros, artigos e na palestra temática por mim produzida e apresentada em várias entidades e federações, pontificando de forma invariável que é o associativismo o fator gerador da união, indispensável para a consolidação de um sistema que o tempo e as circunstâncias desfavoráveis tornaram-no combalido.
Tanto isto é verdade que hoje, salvo raras e honrosas exceções, a tendência crítica generalizada é o de conceituar o sindicato como um órgão estático e antipático, que se limita a arrecadar recursos impositivos.
Assiste, pois, inteira razão ao deputado federal Júlio Delgado (PSB-MG) que, por ocasião do último Encontro Nacional da Indústria, realizado recentemente em São Paulo, afirmou que no Governo de Dilma Rousseff não haverá reforma sindical enquanto estiver na pasta do Trabalho o ministro Carlos Lupi, que, diga-se de passagem, vem se permitindo à prática de legislar através da edição de sucessivas Portarias, obrigando os prejudicados, como ora ocorre com as entidades do patronato, a valer-se do Judiciário. Caso específico da Portaria 982, em que a Justiça Federal em São Paulo suspendeu sua vigência, de vez que pela Lei (que o ministro insiste em querer modificar por simples atos administrativos) os sindicatos estão vinculados a entidades superiores -de acordo com a atividade econômica e consoante o capitulado na CLT- e não por vontade de filiação. Foi o que ocorreu com seu último e desditoso documento acima citado, em que ele resolveu submeter, ao arrepio da Lei e da Constituição, uma nova forma de partilha da contribuição sindical recebida pelas entidades do patronato.
Autor dos livros SOS SINDICALpt  e O sindicalismo brasileiro clama por socorroambos editados pela Editora LTr e de dezenas de artigos sobre o tema, além da palestra "Enfrentamento e superação da crise institucional sindical, especialmente no setor patronal", apresentada em sindicatos e federações patronais.