quarta-feira, 30 de março de 2011

Batalha inglória contra os juros

Batalha inglória contra os juros
30/3/2011 - 10:09:00  
Os juros altos continuam a gerar efeitos deletérios sobre a economia brasileira. Muitas das chamadas medidas "macroprudenciais" que o Banco Central vem adotando decorrem da necessidade de enfrentar os desequilíbrios gerados pela política monetária sobre o ambiente econômico. Esta é uma cruzada que, por mais que tenha tentado, o ex-presidente José Alencar não conseguiu vencer.
Ontem foi anunciado aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). Serão cobrados 6% sobre captações externas que tenham prazo de até 365 dias. Para frear o crédito, o governo tenta impor uma trava a operações muitas vezes especulativas alimentadas à base dos juros campeões mundiais pagos pelo Brasil.
O que vinha acontecendo é que instituições financeiras daqui buscavam dinheiro barato emprestado no exterior e o repassavam a tomadores no Brasil. Pagavam lá foram algo próximo a zero e cobravam aqui dentro qualquer coisa acima da taxa básica de 11,75% ao ano. Descontados outros custos associados, só com isso ganhavam em torno de 8,75%. Negócio da China.
O Brasil pratica uma taxa real de juros de cerca de 6% anuais. A média mundial, consideradas as 40 principais economias, é de 0,9% negativo, segundo ranking elaborado pela Cruzeiro do Sul Corretora. Toda uma cadeia de impactos negativos surge daí - e não é preciso ser empresário nem ex-vice-presidente para enxergá-la.
O dinheiro farto e barato captado no exterior vem colaborando para inundar o mercado brasileiro de crédito, no qual o juro é alto e perdulário. Segundo dados divulgados ontem pelo BC, o volume de empréstimos cresceu 21% nos últimos 12 meses terminados em fevereiro e já representa 46,5% do PIB. O governo tentou, mas não conseguiu frear o galope.
Por sua vez, o crédito abundante cevado a juro alto alimenta a chamada "inflação de demanda" que a presidente da República teima em não ver. Se sobra dinheiro e se as oportunidades de emprego parecem ilimitadas no país, as pessoas tendem a consumir como nunca. Os preços reagem naturalmente, ou seja, sobem. Só Dilma Rousseff não admite esta lógica tão cartesiana.
Para a presidente, o que há é apenas um movimento global, influenciado por uma alta generalizada dos preços de commodities em todo o mundo. Sua visão das coisas, compartilhada e influenciada pelo ministro da Fazenda, não tem ajudado no combate à inflação. Pelo contrário.
Desde que Dilma explicitou esta profissão de fé, em entrevista publicada pelo Valor Econômico no último dia 17, as previsões do mercado sobre o comportamento da inflação só pioraram. Se na semana da entrevista prognosticava-se um IPCA de 5,82% para este ano, agora já se antevê a taxa atingindo 6%, segundo o boletim Focus do BC. Até as estimativas para o comportamento dos preços em 2012 - durante muito tempo estáveis - subiram.
Inflação em alta bate, inexoravelmente, no bolso dos cidadãos. Aliás, já está batendo. Entre outubro e fevereiro, o rendimento real médio dos trabalhadores caiu 1,5%, a maior perda em dois anos, segundo a Folha de S.Paulo. São R$ 23,58 a menos disponíveis na carteira.
Por si só, o crédito abundante também é fonte suficiente de preocupação. As famílias brasileiras já comprometem 24% da sua renda com o pagamento de dívidas. Trata-se de percentual tão alto quanto perigoso. Nos EUA, tidos como um país em que a fome dos cidadãos por consumo é desmesurada, a média é de 18%.
José Alencar faleceu ontem coberto de justas homenagens. Entre seus muitos atributos destacados nos obituários publicados nos jornais de hoje está a coerência de opiniões, em que se destacava a crítica à política de juros altos praticada pelo governo do qual fez parte. A maior homenagem que poderia agora lhe caber é os que o sucederam no Palácio do Planalto atentarem para a necessidade de mudar o andamento deste jogo.
Fonte: ITV

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